O ar que respiro tem pesticidas? - série "Acordai!" (parte 2) – BIO da Caria

O ar que respiro tem pesticidas? - série "Acordai!" (parte 2)

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Foto por Motoki Tonn

 

💨 Conhece a sensação de ir atrás de um carro velho que deita tanto fumo que lhe dá vontade de parar o seu carro ou de seguir por outro caminho só para deixar de inalar tantos tóxicos?

Com a tendência de aumento de resíduos de pesticidas de que falámos no último artigo O meu prato tem pesticidas? - série "Acordai!" (parte 1), esta sensação é bem plausível de ser sentida nos pomares ou nas hortas onde se continuam a aplicar pesticidas indiscriminadamente, como se fossem parte integrante da lista de ingredientes necessários para produzir alimentos.

☠️ No entanto, ao contrário do fumo dos escapes, que é bastante visível e percepcionado pelo nosso nariz, os pesticidas que andam por aí no ar podem bem estar a passar despercebidos.

Se o formador dos cursos de poda da Caria, o eng. José Carlos Ferreira, não nos tivesse alertado para esta descoberta científica recente, também nos teria passado despercebida.

Esclarecendo dúvidas dos alunos do curso de poda sobre agricultura biológica, ele citou um estudo alemão publicado em 2021, que se destaca por um trabalho inédito na avaliação de pesticidas do ar ambiente em múltiplos locais por toda a a Alemanha.

 

Dica: Ligue as legendas do vídeo, seleccionando depois nas definições a tradução automática e as legendas em português. 
Nota: A maior parte desta publicação constitui doravante uma tradução livre do artigo principal citado, com edições ligeiras para tornar o texto mais conciso. A publicação original pode ser consultada na lista de referências. As numerações em parêntesis rectos, e.g. [1], referem-se à lista de referências da publicação original.

 

Índice
O ar que respiro tem glifosato?

O contexto e a motivação do estudo de pesticidas no ar da Alemanha

O estudo alemão de Kruse-Plaß, Hofmann, Wosniok, e colegas (2021), procurou responder a 3 questões

O desenho experimental

Os resultados aterrorizadores da poluição do ar por pesticidas na Alemanha

A resposta às 3 questões do estudo

Comparação com outros estudos europeus

Resumindo o estudo longo e inédito sobre poluição do ar por pesticidas na Alemanha
Acordai!

 

🔍 O ar que respiro tem glifosato?

Se viver na Alemanha, a resposta é sim. Se vive em Portugal, terá que tentar inferir com algumas dicas abaixo, já que não parece que existam estudos equiparados disponíveis.

Iremos resumir neste artigo alguns dos achados mais pertinentes deste estudo de Kruse-Plaß, Hofmann, Wosniok, e colegas (2021),  sobre a presença de pesticidas no ar ambiente na Alemanha, mas as principais conclusões foram:

  1. dos 500 resíduos de pesticidas que foram pesquisados, foram detectados 109 pesticidas, incluindo 28 não aprovados (ilegais) na Alemanha, e em cada uma das 69 localizações estudadas foram detectados entre 1 a 36 pesticidas, o que indica que os pesticidas no ar ambiente são omnipresentes em toda a Alemanha, em especial o glifosato, a pendimetalina, e o prosulfocarb;
  2. a deposição destes pesticidas pelo ar nos produtos biológicos pode desqualificá-los para o mercado e causar perdas económicas aos agricultores biológicos;
  3. O glifosato foi detectado em todas as amostras analisadas, incluindo as que tiveram origem em parques naturais e em florestas, como a Floresta da Baviera (um parque nacional alemão com 50 anos), o que evidencia que os resíduos de pesticidas estão presentes em concentrações relevantes, deslocam-se até médias e longas distâncias, e que se deve reduzir a aplicação de pesticidas. 

  

Ainda assim, vimos no último artigo O meu prato tem pesticidas? - série "Acordai!" (parte 1) que Portugal e Alemanha até são parecidos no que respeita à produção e disponibilidade de alimentos contaminados com resíduos de pesticidas, sendo a Alemanha um pouco pior.

🤯 Segundo a Quercus, vendem-se em Portugal mais de 1600 toneladas de Glifosato por ano e a urina de 26 voluntários portugueses encontrava-se com níveis de glifosato elevados em 100% das amostras - valor médio de glifosato na urina dos portugueses testados foi de 26.2 ng/ml (nanogramas por mililitro) - especialmente se comparado com a média da urina alemã, cerca de 20 vezes mais baixa, que tem "apenas"  1.1 ng/ml.

Neste estudo da Quercus, se a amostra de urina portuguesa menos contaminada tem 12.5 ng/ml, e se o valor mais contaminado na urina alemã foi de 4.2 ng/ml, ou seja, se o português menos contaminado tem 3x mais glifosato que o pior alemão, o que podemos esperar das quantidades de glifosato que andam por aí no ar ambiente?

     

    🧪 O contexto e a motivação do estudo de pesticidas no ar da Alemanha

    O que pensa a Comissão Europeia?

    A proposta da Comissão da União Europeia em Maio de 2021 para uma redução gradual na aplicação de pesticidas para 50% até 2030 como parte da estratégia "do prado ao prato" é resultado do debate sobre o uso de pesticidas em geral [1].

    Porque se utilizam pesticidas?

    Os pesticidas são o maior grupo de substâncias produzidas sinteticamente libertadas no meio ambiente [2], projectadas para proteger as culturas de pragas e, assim, garantir a produção agrícola. O seu uso viabiliza a agricultura industrial que hoje predomina, mas o seu alto impacto biológico levanta dúvidas sobre a saúde de humanos, animais e meio ambiente.

    Embora o destino ambiental dos pesticidas no solo e seus efeitos se lançados na água devam ser documentados no processo de aprovação, as autoridades reguladoras concluíram que os pesticidas pulverizados não se espalham muito além do local de aplicação. Hoje, os dados são em grande parte gerados por modelos computacionais [4]. Na Alemanha, dois metros para culturas aráveis e cinco metros para culturas espaciais são considerados suficientes para proteger os espaços públicos dos pesticidas [5]. Apenas para substâncias muito voláteis essas estimativas são validadas por medições de campo e resultam em regulamentações alteradas [6].

    Impacto dos pesticidas na agricultura biológica

    Os níveis de pesticidas no ar são um problema contínuo. A agricultura biológica é particularmente afetada [7], pois não é permitida a utilização de pesticidas ou fertilizantes químicos sintéticos. A poluição do ar ambiente coloca problemas que estão para além da esfera de controlo da economia biológica.

    Um exemplo é um incidente na maior área contínua de agricultura biológica da Europa (a reserva da biosfera Schorfheide-Chorin, Alemanha). Aqui, o funcho biológico não foi aprovado para comercialização, porque continha altos níveis de pendimetalina. Na altura, a Agência Estatal para o Meio Ambiente de Brandemburgo (Landesamt für Umwelt, Brandemburgo) encomendou a primeira análise científica para registar todas as substâncias relevantes dentro das áreas afetadas por meio do monitorização da qualidade do ar medido na casca das árvores [9]. Este estudo foi expandido para incluir 47 amostras de casca de árvore de todas as áreas da Alemanha em 2018. A monitorização da qualidade do ar através da casca das árvores utiliza colectores standardizados para colher o primeiro milímetro da casca externa, que consiste em tecido morto, onde uma ampla gama de poluentes do ar ambiente podem acumular-se ao longo de um período de 18 a 24 meses. As amostras foram analisadas para mais de 500 pesticidas e substâncias relacionadas, incluindo glifosato [9,10,11]. Pendimetalina e prosulfocarb foram os pesticidas mais comuns encontrados no estudo, mas poluentes orgânicos persistentes (POPs), como diclorodifeniltricloroetano (DDT) e γ-HCH, o principal composto do lindano, também estavam presentes. O glifosato ficou em quinto lugar na frequência de detecção, demonstrando o transporte aéreo deste pesticida.

    Exposição humana ao Glifosato em análise de urina

    A exposição humana ao glifosato na Alemanha foi previamente medida na urina de 2.000 indivíduos testados. Os níveis não diferiram significativamente entre os indivíduos que consumiam apenas alimentos biológicos e aqueles que consumiam alimentos produzidos convencionalmente, sugerindo novamente o transporte aéreo deste pesticida [12]. Como não havia dados sobre a ocorrência de pesticidas no ar ambiente de fontes oficiais, um consórcio de produtores biológicos, fornecedores e organizações não governamentais foi formado para permitir a pesquisa sobre a incidência de pesticidas no ar e estender o trabalho anterior [9,10, 11].

     

    ❓ O estudo alemão de Kruse-Plaß, Hofmann, Wosniok, e colegas (2021), procurou responder a 3 questões:

    1. Serão os pesticidas e resíduos de pesticidas detectáveis no ar ambiente na Alemanha?
    2. Serão os pesticidas e resíduos de pesticidas passíveis de transporte além da faixa de deriva da pulverização?
    3. Será a identificação de pesticidas limitada aos pontos de amostragem passivos do ar ou será que os pesticidas também podem ser detectados noutros materiais expostos ao ar ambiente?

     

    Figura 1: Exemplo de um filtro passivo no campo

     

    👩‍🔬 O desenho experimental

    Foram feitas análises de detecção para mais de 500 pesticidas e seus resíduos derivados.

    O estudo utilizou 49 colectores passivos de ar (ou seja, não foi empurrado ar activamente para o filtro colector) que estiveram expostos cerca de 6 a 7 meses (Abril a Novembro 2019). Estes filtros passivos apesar de extensamente validados, apenas permitem obter resultados semi-quantitativos.

    Foram adicionalmente recolhidos filtros dos sistemas de ventilação em 20 habitações, que estiveram expostos durante o mesmo período e permitem uma avaliação quantitativa das substâncias e suas concentrações.

    As localizações do estudo foram previamente caracterizadas e seleccionadas de entre mais de 250 locais possíveis de modo a obter uma cobertura razoável e representativa de todo o território alemão.

     

    Figura 2: Geolocalização dos pontos de amostragem (filtros passivos e filtros habitacionais)

    Foram por isso incluídos locais onde se esperava uma elevada exposição a pesticidas, como zonas de agricultura convencional intensiva, e locais onde não se esperava uma exposição relevante a pesticidas, como zonas de agricultura biológica, áreas protegidas e centros das cidades.

     

    📊 Os resultados aterrorizadores da poluição do ar por pesticidas na Alemanha

    A tabela lista as detecções de pesticidas e resíduos medidos nos 49 filtros passivos e nos 20 filtros habitacionais e o número de pesticidas detectados ao longo do período de estudo em função do método de amostragem.

    Parâmetro Colectores passivos de ar Filtros habitationais
    N.º de locais de amostragem 49 20
    N.º de substâncias detectadas 78 63
    Adicionalmente
    Glifosato e AMPA
    Ambos detectados Ambos detectados
    N.º de substâncias detectadas por local de amostragem 6 a 33 1 a 36
    Mediana 19 9
    N.º de substâncias detectadas com apenas um dos métodos de amostragem 44 29
    N.º de substâncias detectadas que não estão aprovadas para utilização na Alemanha 21a 11
    Bifenilos policlorados (PCBs) 5  -
    Metabolitos 4 6
    N.º de substâncias diferentes detectadas em ambos os métodos 36
    N.º de substâncias diferentes detectadas no total 109
    N.º total de substâncias detectadas que não estão aprovadas para utilização na Alemanha 28a
    Substâncias detectadas que estão banidas pela Convenção de Estocolmo 14 (incluindo 5 PCBs e 5 formas de compostos DDT)

     aIncluindo sulfato de endosulfan e derivados do DDT, que são metabolitos de poluentes orgânicos persistentes (POPs) listados pela Convenção de Estocolmo

     

    Foram detectadas 80 substâncias nos colectores passivos de ar e 65 substâncias nos filtros habitacionais, incluindo o glifosato em ambos.

    No total foram detectados 109 pesticidas ou resíduos de pesticidas, 28 dos quais já não estão aprovados para utilização na Alemanha, e 14 deles estão banidos pela Convenção de Estocolmo.

     

    Pesticidas mais frequentes

    Os pesticidas detectados mais frequentemente foram os herbicidas nos colectores passivos de ar e os fungicidas nos filtros habitacionais.

     

    Figura 3: Pesticidas e resíduos mais frequentemente detectados nos colectores passivos de ar
    Valores de pesticidas e resíduos mais frequentemente detectados em mais de um terço dos locais de amostragem em escala logarítmica. As barras azuis representam a frequência de detecção relativamente a todos os locais amostrados. As barras coloridas indicam a distribuição de valores. Os diamantes azuis representam valores individuais. AMPA, aminomethylphosphonic acid; HCB, hexachlorobenzene; HCH, hexachlorocyclohexane; MCPA, 2-methyl-4-chlorophenoxyacetic acid. Um limite de quantificação acima de 10 ng só foi registado para o Clorfurenol (20 ng). 

     

    Número de pesticidas identificados no ar ambiente em toda a Alemanha

    A Figura 4 mostra a detecção do número de pesticidas e resíduos relacionados por toda a Alemanha, sendo visível no lado B as áreas onde se registaram as amostras com um maior número de diferentes pesticidas detectados. Os símbolos azuis mostram locais com menor um número de pesticidas diferentes detectados e os símbolos vermelhos mostram locais com um maior número de pesticidas diferentes detectados.

    Figura 4: Número de substâncias detectadas nos locais de amostragem.
    No lado A - Todos os locais de amostragem. No lado B - Locais de amostragem, onde mais de 16 substâncias foram detectadas em colectores passivos de ar e mais de 22 substâncias foram detectadas em filtros habitacionais 

    Como a tonalidade de vermelho mais carregado dos símbolos indica um maior número de pesticidas detectados, é possível confirmar que a região Norte da Alemanha é mais afectada, onde é possível a prática da agricultura convencional intensiva. Nas regiões montanhosas a sul, valores mais elevados podem indicar a presença de vinhas e de produção de fruta.

    Um número considerável de pesticidas por local também foi detectado em locais inesperados, como parques nacionais nos colectores de Harz (13 substâncias) e na Floresta da Baviera (6 substâncias).

     

    Análise estatística

    A classificação da paisagem em geral foi o factor mais importante no número de pesticidas e resíduos relacionados detectados. Ambos os fatores, actividade agrícola e classificação da paisagem, não foram completamente independentes.

    As áreas protegidas parecem oferecer pouca protecção contra um grande número de pesticidas transportados pelo ar.

     

    Glifosato, pendimetalina e prosulfocarbe

    O glifosato foi detectado em todos os locais de amostragem tanto em colectores passivos de ar como nos filtros habitacionais (Figura 5), e as concentrações atingiram o pico de 3176.8 ng/amostra (mediana: 98.4 ng/amostra). AMPA, o principal produto da degradação do glifosato, foi encontrado na maioria, mas não em todos os locais.

     

     

    Figura 5: Níveis de glifosato e ácido aminometilfosfónico (AMPA)
    Quadrados vazios representam não detecção. Para filtros habitacionais, apenas a detecção (sim/não) é fornecida, sem as concentrações. O vermelho refere-se ao glifosato e o amarelo ao AMPA. O tamanho do círculo é proporcional à concentração máxima detectada (3916,8 ng/amostra para pendimetalina e 2505,3 ng/amostra para prosulfocarb). A coloração da marca no centro do círculo indica a categoria de valores medidos (e.g. roxo, valor abaixo de 500 ng/amostra e vermelho escuro, valor acima de 2000 ng/amostras). Para locais com detecções elevadas é indicado o código do local de amostragem (e.g. 723, ver Figura 2).

    A presença de pendimetalina e prosulfocarbe provoca efeitos adversos na agricultura biológica. A Figura 6 mostra a distribuição espacial desses pesticidas na amostragem do estudo.

     

    Figura 6: Níveis de pendimetalina e prosulfocarbe

    A pendimetalina não foi detectada em apenas cinco locais em colectores passivos de ar (círculos amarelos vazios). Os valores medidos foram elevados e a distribuição geográfica foi ampla. A mediana dos valores medidos (145.5 ng/amostra) foi inferior à do clorotalonil (272.5 ng/amostra). O uso de clorotalonil foi desautorizado em 2019, mas a aplicação foi permitida até 5 de maio de 2020, após o período de amostragem. Para o prosulfocarbe, foi medido um máximo de 2,505.3 ng/amostra (mediana: 90.7 ng/amostra) em colectores passivos de ar, e o pesticida não foi detectado em nove locais. Os filtros habitacionais tiveram dificuldade em capturar pendimetalina (máximo 18.3 ng/m3, cinco valores detectados) ou prosulfocarbe (máximo 5.5 ng/m3, cinco valores detectados). A distribuição espacial de vários outros pesticidas e produtos relacionados é dada no relatório principal [13], bem como a análise dos favos de mel e da casca de árvores e uma comparação dos principais pesticidas entre os métodos de amostragem.

    👩‍🏫 A resposta às 3 questões do estudo:

    Os pesticidas e resíduos relacionados são detectáveis ​​no ar ambiente na Alemanha?

    Até agora, os únicos dados disponíveis sobre pesticidas e seus resíduos relacionados no ar ambiente na Alemanha eram o estudo de casca de árvore de 2018 [10]. O presente estudo expande esse banco de dados e ainda é o primeiro desse tipo. Um grande número de pesticidas e substâncias relacionadas foram detectados no ar alemão. Glifosato, clorotalonil, metolacloro, pendimetalina e terbutilazina foram abundantes, e altas concentrações de prosulfocarbe também foram encontradas. As concentrações registadas nos filtros variaram bastante e não se restringiram a valores próximos aos limites de quantificação.

    O transporte de pesticidas e substâncias relacionadas no ar é possível além da faixa de deriva da pulverização?

    O número de substâncias detectadas e os seus níveis nas amostras permitiram a distinção entre locais mais poluídos e menos poluídos [13] e a avaliação dos factores que influenciam a contaminação. Embora a poluição do ar tenha sido geralmente maior em regiões de agricultura intensiva, os pesticidas também foram encontrados em locais remotos. O transporte de médio alcance dessas substâncias transportadas pelo ar é a explicação mais provável. Isso ainda não foi assumido para os pesticidas em utilização actualmente. Em geral, as concentrações encontradas podem ser explicadas por vários fatores, como a classificação da paisagem e o tipo de actividade agrícola. No entanto, as variáveis ​​que favorecem o transporte de médio alcance, como a erosão do solo, condições do vento e topografia, também devem ser consideradas e isso deve ser estudo em particular para cada pesticida ou resíduo específico.

    A identificação de pesticidas é limitada a colectores passivos de ar ou os pesticidas também podem ser detectados em outros materiais expostos ao ar ambiente?

    A detecção de pesticidas e seus resíduos não se limita a colectores passivos de ar. Em amostras de filtros de sistemas de ventilação habitacionais, também foi detectada uma ampla gama de pesticidas. À semelhança dos resultados nos colectores passivos de ar, o glifosato foi detectado em todas as amostras de filtros habitacionais. Além disso, os filtros habitacionais capturam uma gama de resíduos de pesticidas diferente da que se captura nos filtros dos colectores passivos de ar. Vinte e nove das 65 substâncias foram detectadas apenas nos filtros habitacionais. É provável que as substâncias específicas dos filtros habitacionais tenham origem em partículas de solo e poeira no ar que os sistemas de ventilação estão projetados para recolher.

     

    🌍 Comparação com outros estudos europeus


    Até agora, é difícil obter uma visão geral conclusiva dos pesticidas transportados pelo ar na Europa. Os poucos dados recentes sobre pesticidas transportados pelo ar concentram-se em diferentes gamas de pesticidas e usam diferentes métodos de medição.

    🇫🇷 Pesticidas em França

    A maioria desses estudos excluiu o glifosato; apenas o estudo francês de Marliere et al. [32] mediram este pesticida. Este estudo abrangente recolheu pesticidas no ar e fez pesquisa por 74 pesticidas e um metabólito (AMPA) [32]. O estudo alemão detectou glifosato em 100% das amostras de ar passivo e dos filtros habitacionais, não surpreendentemente, visto ser o produto de proteção de plantas mais utilizado na Alemanha [38]. Na França, o glifosato foi detectado em mais de 80% das amostras, que foram recolhidas à taxa de fluxo de 30 m3/h em 48 h. Os resultados desse estudo sugerem que o glifosato está geralmente presente no ar ambiente.

    🇮🇹 Pesticidas em Itália

    Na Itália, Estellano et al. [34] avaliaram a ocorrência e as variações sazonais de 10 pesticidas de uso corrente (clorpirifós, clorpirifós metil, malatião, terbufos, diazinon, dissulfoton, dacthal, trifluralin, pendimetalina e chlorothalonil). Todos os 10 pesticidas foram detectados. O clorpirifós em ambas as formas foi identificado como o pesticida mais frequente e com as maiores concentrações. O clorotalonil, que detectamos em quase todos os locais e com níveis muito altos, foi o pesticida menos detectado no estudo italiano. A pendimetalina foi surpreendentemente mais comumente detectada em ambientes urbanos do que rurais.

    Em comparação, o presente estudo abrange a mais ampla gama de substâncias analisadas. Com 109 substâncias detectadas, a gama de pesticidas conhecidos por serem transportados pelo ar é ampliada significativamente. Pesticidas detectados com maior frequência, como clorotalonil, metolacloro, pendimetalina, terbutilazina e prosulfocarbe, também foram frequentemente identificados em outros estudos. O metabolito protioconazol-destio foi avaliado no estudo da Suécia, mas não discutido [14]. A dimetenamida foi incluída no estudo da França, mas raramente foi detectada (frequência   <   5%). No geral, detectou-se neste estudo alemão a pendimetalina e o prosulfocarbe em mais de quatro quintos das amostras e em níveis elevados. O transporte de média distância desses pesticidas é claramente ilustrado por Kreuger e Lindström [14], que encontraram pendimetalina em quase 40% de todas as amostras, embora este pesticida não seja aprovado para uso na Suécia e provavelmente tenha origem em países vizinhos como Dinamarca, Alemanha e Polónia.

    Em geral, as substâncias que não foram detectadas nos estudos anteriores tiveram uma frequência de detecção menor neste estudo alemão. Esses pesticidas contribuem para a carga total de pesticidas no ar, mas podem ter potenciais efeitos ecotoxicológicos e ainda resultar em altas concentrações no ar devido à sua aplicação sazonal. A sua relevância deve ser melhor avaliada.

    🇸🇪 Pesticidas na Suécia

    A Suécia é o primeiro país europeu a realizar amostragem activa de longo prazo de pesticidas no ar em áreas rurais cercadas por florestas e localizadas a mais de 1 km de campos tratados [14]; dados semanais estão disponíveis na Universidade de Uppsala [33]. Kreuger e Lindström [14] mostraram que a maioria dos pesticidas e seus resíduos foram capturados no filtro de fibra de vidro e no primeiro filtro. Os dados suecos apresentam uma clara variação sazonal, com o número de substâncias detectadas diminuindo no Outono (Ficheiro Adicional 17). Um máximo semanal de 59 substâncias foi detectado duas vezes no primeiro semestre do ano. No Outono (30 de outubro de 2017), restavam apenas 17 substâncias.

    Prosulfocarb e γ-HCH foram detectados de forma consistente ao longo do ano [14]. Em áreas de agricultura intensiva na Alemanha, a presença contínua de misturas de pesticidas no ar ambiente é, portanto, altamente provável e deve ser objecto de investigação adicional.

    Os dados para a Alemanha são, portanto, susceptíveis de subestimar a carga de pesticidas em qualquer ponto. A combinação de medições de filtro e discos de poliuretano num colector passivo de ar pode aumentar significativamente os números de pesticidas detectados.
    Para futuras medições de amostradores passivos de ar, pode valer a pena analisar os filtros não apenas para o glifosato, mas também para os 500 pesticidas e resíduos relacionados avaliados nos filtros habitacionais para ampliar a faixa detectável de substâncias.

    O transporte de pesticidas a média e longa distância

    A EFSA sustenta que não é de esperar uma perda substancial de substância ativa para a atmosfera; uma perda para o ar a curto alcance só é considerada para pendimetalina. O potencial para o transporte de médio ou longo alcance é totalmente desconsiderado. Diante de nossos achados, as premissas incorporadas nos processos de aprovação de liberação de agrotóxicos no ar não são adequadas. Há necessidade de revisar as estimativas atuais da EFSA de liberação de pesticidas para incluir estimativas para transporte aéreo de médio e longo alcance. Isso é particularmente relevante para a renovação da aprovação do glifosato.

    Nossas descobertas indicam que um certo grau de transporte de longo alcance entre continentes também é provável. Espera-se que os pesticidas de uso atual viajem para longe de seus locais de aplicação e estejam presentes em qualquer massa de ar que passe sobre a terra. Tendo em vista que seu destino ambiental depende de suas propriedades químicas, uma distribuição mundial, como já observada para os POPs, deve ser considerada possível.

     

     

    🕵️‍♀️ Resumindo o estudo longo e inédito sobre poluição do ar por pesticidas na Alemanha

    As descobertas científicas indicam que os pesticidas e seus resíduos relacionados omnipresentes no ar ambiente na República Federal da Alemanha.

    Há evidências de que os pesticidas podem viajar pelo ar pelo menos no médio e possivelmente também no longo alcance. Isto é conhecido há muito tempo para substâncias listadas na Convenção de Estocolmo, como nos casos de DDT, PCBs e γ-HCH [39]. Para pesticidas e seus resíduos actualmente em uso na Alemanha, isso é demonstrado pela primeira vez.

    Os resultados mostram claramente que mais de um pesticida está presente em cargas por vezes consideráveis ​​em qualquer local. Considerando todos os dados disponíveis, deve-se esperar uma variação sazonal distinta que pode estar relacionada principalmente ao momento da aplicação do pesticida. Uma amostragem activa provavelmente produzirá melhores insights no futuro.

    O colector passivo de ar foi uma ferramenta valiosa para classificar cargas de pesticidas no ar. O número de pesticidas e as suas concentrações medidas fornecem uma boa indicação da exposição no local.

    No entanto, devemos estar cientes de que a amostragem passiva do ar pode detectar menos pesticidas no ar do que a amostragem activa. A análise dos filtros no colector passivo de ar para os 500 pesticidas pode aumentar significativamente o número de substâncias detectadas. Além disso, os resultados dos filtros habitacionais indicam que este método também pode recolher uma variedade diferente de substâncias actualmente não identificadas.

    Por serem simples de usar, os colectores passivos de ar são cada vez mais empregados na Europa e em outras regiões. A compilação de todas as informações disponíveis num banco de dados comum pode ser valiosa para avaliação do local e comparação dos níveis de pesticidas no ar.

    No entanto, é necessário uma monitorização activa das concentrações no ar dessas substâncias. Apenas uma amostragem activa pode produzir medições fiáveis ​​da concentração de ar no curto prazo. Na Alemanha, o Bundesamt für Verbraucherschutz und Lebensmittelsicherheit (BVL), Departamento Federal de Proteção ao Consumidor e Segurança Alimentar, planeia operar três locais de amostragem nos próximos anos [40]. Devido aos requisitos técnicos, o número de locais de amostragem será sempre limitado.

    Todas as próximas monitorizações devem incluir a pesquisa de glifosato, que foi detectado em 100% das amostras.

    O procedimento de aprovação de pesticidas usado pela EFSA [41,42,43,44,45,46] subestima a perda de pesticidas para a atmosfera e o seu potencial para transporte de médio e longo alcance para todos os pesticidas que foram detectados com frequência [ficheiro 18]. Assim, recomenda-se uma revisão do actual procedimento de aprovação de pesticidas da EFSA para incluir uma estimativa realista da perda potencial de um pesticida para o ar e o seu potencial para transporte de médio e longo alcance.

    A redução da aplicação de pesticidas, conforme proposto pela proposta da Comissão da União Europeia em maio de 2021, para 50% até 2030 [1] é um primeiro passo importante para reduzir a carga de pesticidas no ar e aliviar os problemas associados à aplicação de pesticidas. No entanto, não está claro a partir de nossos dados actuais se os pesticidas transportados pelo ar e seus resíduos relacionados são detectados como um efeito colateral geral da agricultura convencional. É possível que as observações estejam relacionadas com substâncias específicas com um potencial excepcionalmente alto para transporte aéreo. No primeiro caso, o volume geral de pesticidas utilizado deve ser reduzido. No segundo caso, a gestão regulatória de substâncias propensas ao transporte aéreo pode ser uma solução adequada e conveniente.

    A falta de dados não permite conclusões sobre os efeitos na saúde da exposição inalatória a misturas de pesticidas, que provavelmente são crônicas e devem ser investigadas. Da mesma forma, os efeitos em ecossistemas sensíveis requerem estudos mais aprofundados.

    Além dos potenciais efeitos ecológicos e para a saúde, as concentrações de pesticidas no ar ambiente também exercem consequências económicas significativas. O regulamento da Comissão Europeia 834/2007 rege o controle da agricultura biológica e seus produtos para garantir que aditivos químicos sintéticos, como pesticidas e fertilizantes, não interfiram no processo de produção. No entanto, os agricultores biológicos não podem proteger suas plantações contra a poluição do ar por pesticidas como pendimetalina e prosulfocarbe, o que pode resultar em produtos que não podem ser comercializados como biológicos.

    A busca de alternativas para esses pesticidas é necessária, para que o objetivo da União Europeia de coexistência ancorado no Regulamento Biológico Básico da CE nº 834/2007 entre formas convencionais e biológicas de produção seja aplicável.


    Nota: A maior parte desta publicação constitui uma tradução livre do artigo principal citado, com edições ligeiras para tornar o texto mais conciso. A publicação original pode ser consultada na lista de referências. As numerações em parêntesis rectos, e.g. [1], referem-se à lista de referências da publicação original.

     

    Referências
    Kruse-Plaß, M., Hofmann, F., Wosniok, W., Schlechtriemen, U., & Kohlschütter, N. (2021). Pesticides and pesticide-related products in ambient air in GermanyEnvironmental Sciences Europe33(1), 1-21.
    Quercus (2021). Glifosato: o herbicida que contamina Portugal (Blog).
    Comissão Europeia (2022). Do prado ao prato. (website).

     

    P.S. Fica mais um desafio "acordai homens [e mulheres] que dormisem formato musical, desta vez com sotaque europeu:



    Acordai!
    Acordai, homens que dormis
    A embalar a dor
    Dos silêncios vis!
    Vinde, no clamor
    Das almas viris,
    Arrancar a flor
    Que dorme na raíz!

    Acordai!
    Acordai, raios e tufões
    Que dormis no ar
    E nas multidões!
    Vinde incendiar
    De astros e canções
    As pedras e o mar,
    O mundo e os corações...

    Acordai!
    Acendei, de almas e de sóis,
    Este mar sem cais,
    Nem luz de faróis!
    E acordai, depois
    Das lutas finais,
    Os nossos heróis
    Que dormem nos covais.
    Acordai!

    Música: Fernando Lopes-Graça
    Letra: José Gomes Ferreira
    Coro de Câmara JIP (Utrecht)

     



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